Que papel tem a UE <br>para o Sudão?
O Sudão é o terceiro maior país africano, mesmo após a divisão do seu território em 2011 com a independência do Sudão do Sul. Tem mais de 6700km de fronteiras terrestres abertas e 850km de costa marítima no Mar Vermelho. Como a maioria dos países africanos, o Sudão tem um enorme potencial de recursos naturais a explorar. Além do petróleo (apesar de ter perdido 4/5 da produção com a desagregação da parte Sul do país) dispõe de potencial agrícola e água – Nilo – e ainda diversos recursos de subsolo para extracção mineira.
O seu governo é dirigido, desde 1989, por Omar al-Bashir, que tomou o poder num golpe de estado militar, implementou a sharia (lei islâmica), impôs políticas de destruição do aparelho produtivo nacional, fortes programas de privatizações e restrições às funções sociais. A saúde é privada e a educação, mesmo pública, é paga. O Sudão vive sob um regime repressivo, que restringe liberdades, persegue as organizações de trabalhadores e ataca os direitos democráticos, razões que levaram a oposição, onde se inclui o Partido Comunista do Sudão, a boicotar o último acto eleitoral e a criar uma frente de luta com o objectivo de derrotar o actual regime. À corrupção soma-se uma situação económica muito difícil, agravada por sanções económicas desde 1997, que atingem em primeiro lugar o povo.
O Sudão é percorrido há décadas por vários conflitos. Desde o conflito a Sul de que resultou a redução de território, ao conflito que prossegue na região de Darfur, alimentado por milícias governamentais, conhecidas como Janjaweed, a quem se atribuem acções genocidas. Um conflito de que resultaram dezenas de milhares de mortos e quase três milhões de pessoas internamente deslocadas.
O Sudão é, histórica e culturalmente, um país tolerante ao acolhimento de migrações, mesmo em larga escala. É, ao mesmo tempo, um país de destino, de origem e de trânsito, com fluxos muito complexos. Um ponto geoestratégico de rotas migratórias de trânsito para Norte, mas também para Sul, e de Este para Oeste. O país acolhe mais de 500 mil refugiados provenientes da Eritreia, da Etiópia, da Somália, entre outros, como do Iémen ou da Síria, povos que não necessitam de visto para entrar no Sudão. Estão registados seis mil refugiados sírios no país, sendo o número real desconhecido. A maior parte procura seguir para Norte. Do Sudão do Sul dizem ter acolhido no último ano um milhão de pessoas que não consideram refugiados, antes «irmãos», tomando-os como iguais.
No contexto regional, o Sudão é um país de particular interesse para a política da UE, dita migratória, de externalização de fronteiras, nomeadamente por via do controlo das suas fronteiras a Norte com a Líbia e o Egipto visando a contenção de fluxos, impedindo, como tal, que refugiados cheguem a território europeu. Mascarando este objectivo com a «luta contra o tráfico e contrabando de seres humanos», através de «diálogos» à medida, como o conhecido processo de Khartoum, a UE lançou o programa «Better Migration Management», liderado pela Alemanha, no âmbito do Fundo Fiduciário de Emergência, que aplicará 46 milhões de euros na região do Corno de África para «harmonização de políticas», «aumento da capacidade» de controlo de fronteiras através de treino e «formação das autoridades competentes» e, claro, a «melhoria» da identificação das vítimas – muito útil para eliminar possíveis candidatos a asilo.
O regime sudanês integrou muito bem o discurso e linguajar europeu das migrações e assume a sua disponibilidade para assumir o papel de tampão de refugiados, entre outros (não faltam sequer as alusões à luta contra o terrorismo e à radicalização). Para controlar eficazmente as fronteiras e alegadamente «combater o tráfico a Norte», o regime avançou com as chamadas Forças Rápidas de Apoio, na dependência directa da «National Intelligence and Security Service» (NISS) – a agência de inteligência e segurança do Sudão –, forças paramilitares que antes serviram no Darfur, recrutadas de entre as milícias Janjaweed, lideradas politicamente pelo Major General Abbas Abdulaziz e operacionalmente por Mohammed Hamdan Dagolo «Hemmeti», anteriores líderes daquelas milícias.
Às NISS não deixam de estar ligadas suspeitas de ligações ao tráfico e contrabando de pessoas, porquanto um dos ministros de al-Bashir, Mabrouk Mubarak Salim, é um dos fundadores de um grupo armado da tribo Rashaida, na fronteira com a Eritreia, que historicamente e na actualidade dominam os circuitos de tráfico, também de seres humanos.
É esta, muito resumida, a complexidade migratória e centralidade geográfica que interessa à UE na sua histeria antimigratória. A realidade política e o contexto dos «agentes» que irá «formar» é bem conhecida da União Europeia. O que diz bem não só da sua natureza, mas de como são também as suas políticas que alimentam o tráfico e a exploração do ser humano.